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Entregador de Água

O Entregador de Água – Parte 2

Entregador de Água

Imagem: Divulgação

AUTOR: SEGA

Às vezes, me masturbava assistindo pornô. Tive várias fases, em cada uma delas um ator preferido. Cliff Jensen, tipo garotão da escola que está há duas turmas acima da sua, malandrão, desengonçado, tranquilão, pronto pra que alguém caia de boca, pronto para que você faça o que quiser com ele.

Austin Wilde, te abraça enquanto te come, sorri para você enquanto você sente o pau dele entrando, tocando o interior do seu corpo, bom pra casar, pra passar uma semana na praia, pra transar em lugares públicos e rir depois, como cúmplices. Rafael Carreras, quase um predador, pinga sangue de sua boca aberta, de sua língua quente passeando pelo seu corpo, com ele, você simplesmente se entrega, você cruza as pernas sobre suas costas, ele passa os dedos pelo seu cabelo, puxa sua cabeça para trás e deseja seu pescoço estendido, liso, numa curva obscena à espera de uma mordida.

    Havia dias que eu me masturbava duas vezes, logo que chegava em casa e antes de dormir. Havia dias que, além dessas duas, eu me masturbava no trabalho. No banheiro, me imaginava sentando no colo daquele entregador de água gostoso que continuava a me encarar com malícia nos olhos, estimulado pela minha resposta.

    Você achou que fosse me pegar, hein, João? Que estaria no controle. Uma chave havia virado em minha mente, contudo, e ficou claro que eu estava num ponto sem volta. Não dava para eu fingir que toda aquela história de batida de coração não havia existido. Ele podia me dar um soco ali mesmo, nós estávamos sozinhos na sala, mas e depois? O que ele faria depois? Minha resposta foi como um passo à frente, foi como abrir caminho. Eu estava no controle.

    “É”, repeti, endireitando a coluna, sustentando seu olhar, pronto para morder ou sorrir.

    Ele riu. Parecia, sei lá, num misto de timidez e prazer. Imagino que a palavra seja lisonjeado. João parecia lisonjeado.

    Pegou o dinheiro e foi embora.

João é dois anos mais velho que eu, só isso. Não é tão experiente como todas aquelas tatuagens e o dinheiro gasto nelas e a dor gasta nelas fazem parecer. Ele quer cursar Letras e dar aulas para crianças, ele espera que o mundo dê uma mudada até lá e aceitem um professor tatuado, de alargadores, com um marido ― ele se vê casado até o fim da faculdade. Claro que ele não está falando de mim quando me conta isso, mas eu não consigo deixar de imaginar nós dois de aliança acordando juntos na cama e dizendo para alguém “meu marido gosta de…” ou “eu tenho que falar com meu marido antes…” Chega a doer ficar tão próximo dessa realidade e pensar que dificilmente ela vai se concretizar.

***

    Transar com um homem, quando você é um homem, exige cuidados especiais. É quase como amar, que também exige cuidados especiais, mas só quase, porque desde que não estejam em público, vocês podem se amar do jeito que bem entenderem. Transar, não, transar requer uma checklist específica com suas devidas marcações, independentemente de onde estejam. Não posso dizer que estava pronto porque ninguém está pronto até que se faça ― até que se faça várias vezes. Mas eu tinha lido o maior número de textos sobre o assunto internet afora e tentado várias vezes à medida que eu percebia o grande dia se aproximando.

    (Havia um demônio debaixo da minha pele me arranhando, seu uivo atravessava como uma agulha a extensão de meu crânio. Quando eu cravar as minhas unhas nas costas de João, eu pensava, talvez o demônio se acalme).

    As únicas pessoas com quem eu conversava eram Luana e o próprio João. Não perguntaria nada para ele, de jeito nenhum. Luana só ria de mim toda vez que eu tocava no assunto, tão ignorante quanto eu.

    “Você enfia o chuveirinho e deixa 10 segundos lá?”

    “Sim. Depois você corre na privada e põe tudo pra fora.”

    “Que horror! Que nojo! E eu posso fazer também?”

    “É pra quem tem cu, Luana. Mulher também tem, não tem?”

    “Meu marido sempre tentou. Ele deve ter alguém que faça isso pra ele porque um dia ele simplesmente desistiu e nunca mais voltou ao assunto.”

    “Pode ser.”

    “Eu não ligo. Não vou fazer isso. Me parece muito burocrático”, mas ela parecia pensar bastante a respeito, devia considerar, no mínimo. “Me conte depois, ok?!”

    Eu devia ter comprado um vibrador. Pensava nisso quando passava em frente a uma farmácia. Mas e a vergonha? Eu morria de vergonha. Eu pedi para ele levar camisinha porque não tinha coragem de comprar. Era como se as pessoas fossem me pegar no pulo assim que eu encostasse a mão na embalagem. “Olha só quem vai transar hoje! O veadinho do 5ºB! Ele finalmente vai ter o cuzão comido, como sempre quis. Ei, mariquinha pão-doce! Ei, boiolinha! Não adianta chorar, vai apanhar até virar homem.” Não. Ninguém diria isso, eu sei, mas eu não conseguia.

    “Você tem outra vida agora. Você não tá mais lá”, João dizia.

    O medo não chega de um dia pro outro, porque iria embora de um dia pro outro? Me chicoteava mesmo. Devia ter comprado um vibrador, um massageador, como dizia no site, um dedo não é a mesma coisa, dois dedos não é a mesma coisa, três dedos não é a mesma coisa! Um pênis é bem mais grosso que três dedos, vai chegar num nível que os dedos não chegaram, como eu vou saber se estou limpo? É bem capaz que eu o suje e ele não queira mais falar comigo, que faça piadas comigo, que conte pros amigos sobre a pior noite que teve com o veadinho do 5ºB enquanto flerta com um cara experiente, lindo, com um corpo lindo. Meu corpo é uma porcaria! Meus braços são finos demais, minhas pernas parecem duas varetas, minha bunda não é grande e dura, não sou bem dotado, não tenho peitos largos nem barriga definida, sou uma vergonha, só devia transar quando meu corpo for um corpo de verdade, não essa merda aqui!

Continua amanhã

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9 comentários

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  1. # (@mydelicaterep)

    Esse final me resumiu MUITO! Toda vez que eu transo com algum cara, fico com medo de sujar ele, me sobe um pavor e a gente acaba parando… também detesto meu corpo: “Meus braços são finos demais, minhas pernas parecem duas varetas, minha bunda não é grande e dura, não sou bem dotado, não tenho peitos largos nem barriga definida, sou uma vergonha” essa frase, resume meu corpo 🙁

  2. Anónimo

    Poxa, o conto tinha tudo para ser muito bom, mas são tantas mudança de interlocutor sem sinalização que o leitor se perde na narração.


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